quinta-feira, 18 de maio de 2017

A Pátria-mãe que chora e a esperança que nunca vai se esborrachar

Fernando Brito *

O Bêbado e a Equilibrista, dos geniais Aldir Blanc e João Bosco, virou uma espécie de “hino da anistia”, no final da noite escura da ditadura implantada em 1964, que nasceu de ideias velhas e que morreria decrépita alguns anos depois.

Chora, a nossa Pátria mãe gentil, diz a letra, a certa altura, na inesquecível voz de Elis Regina, em seu lamento sem desânimo.

 
40 anos depois – uma vida inteira para muitos de nós – parece que, de novo, a tarde nos desaba como um viaduto, aquele onde passavam, como Carlitos, os nossos sonhos de sermos um país justo, desenvolvido, presente no mundo como podemos ser e, sobretudo, o país de um povo feliz.

 
Viramos, porém, uma jaula de ódios, nela, vamos rugindo e mostrando as garras – claro, os que as têm – sob o comando de domadores togados, que brandem a ordem do chicote e trancafia em jaulas para que obedeçam às suas vontades e “convicções”.

Nesta nova noite do Brasil, já não se tem irreverências mil, e os homens da muito escura viatura andam para lá e para cá, a procura do suspeito da vez, levando um, outro, mais outro, para que os chupem com os dentes que deixam manchas torturadas e os façam delatar, como paus-de-arara 2.0 que a mídia louva e aplaude.

 
Vivemos o que na juventude aprendemos a detestar naqueles tempos: as “verdades” que não se contestam, a pretensão da vigilância sobre todos, a mentalidade punitiva, aquela que diz que o castigo e a privação de liberdade são o remédio para uma vida de virtudes, que a lei não é ferramenta de direitos, mas o relho da autoridade, o chicote da punição.

 
Há os que dizem que isso é a moralidade, há os que dizem que isso é o novo, há os que dizem que isso é o caminho de uma nova ordem, admirável e limpa, embora dela só resulte uma nação em escombros.

 
O Brasil, a nossa pátria mãe gentil, arruinado e selvagem como, infelizmente, já esteve antes na história deste país.

 
Mas sei, sabemos todos ou só o sentimos, que uma dor assim pungente não há de ser inutilmente.

 
E a esperança equilibrista, todo dia tão jovem, tão viçosa, segue na corda bamba, sempre pronta a se esborrachar, com esta turma a balança-la até que caia.

 
A nossa mãe gentil – a que é a de todos, a que não morre, a que iremos sempre honrar e respeitar, ainda que dela hoje façam gato e sapato – tem que continuar, meu Brasil. 



* o autor é jornalista, editor do blog Tijolaço
Publicado originalmente no Tijolaço: http://www.tijolaco.com.br/blog/patria-mae-que-chora-e-esperanca-que-nunca-vai-se-esborrachar/

.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Obrigado por participar, aguarde publicação de seu comentário.
Não publico ofensas pessoais e termos pejorativos. Não publico comentários de anônimos.
Registre seu nome na mensagem. Depois de digitar seu comentário clique na flechinha da janela "Comentar como", no "Selecionar perfil' e escolha "nome/URL"; na janela que vai abrir digite seu nome.
Se vc possui blog digite o endereço (link) completo na linha do URL, caso contrário deixe em branco.
Depois, clique em "publicar".
Se tiver gmail escolha "Google", pois o Google vai pedir a sua senha e autenticar o envio.