terça-feira, 13 de março de 2012

A reinauguração da vassalagem

Rogério Arioli Silva *
Ao receber com pompa e circunstância o príncipe Harry, o quarto na sucessão monárquica Britânica, reinaugura-se no Brasil o que se poderia chamar de “vassalagem tropical”. Como tradicionalmente aconteceu na América Latina estende-se o tapete vermelho ao imperador despótico, agora com ares juvenis e discursinhos tão risíveis quanto descompromissados. Em sua rara manifestação pública o representante do outrora “império onde o sol nunca se põe” tratou de futebol e carnaval, seguindo a tradição secular de considerar este país como uma gafieira de quinta categoria. Lembrou inclusive a dança de Charles (seu pai) com a modelo Pinah em 1979, imagem que circulou no mundo como símbolo de que, às vezes, a aristocracia sucumbe ao folguedo. Isso tudo aos risos e aplausos do povo carioca, capitaneados pelo emotivo Governador daquele estado.

A Cerimônia de Vassalagem, ritual característico da idade média, consistia em firmar lealdade ao Monarca trocando apoio político pela garantia de proteção.  Naquela época, como agora, os interesses verdadeiros desta incestuosa relação restavam encobertos pelo manto da burocracia.

Na verdade o lançamento da campanha Great, onde o governo Britânico busca “parceiros” investidores para a realização dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos em Londres foi o mote da visita principesca. Lançada em Setembro de 2011, em Nova Iorque, pelo Primeiro-Ministro David Cameron, a campanha Great possui aspectos interessantes. Entre os diversos títulos que logicamente valorizam as peculiaridades britânicas, são ressaltadas a tecnologia e inovação, a herança e tradição, o alto nível cultural, e a sustentabilidade. Neste último tema, os cinco itens que o descrevem são o verdadeiro retrato do pensamento sedimentado dos colonizadores em relação aos colonizados.

O primeiro item ressalta a pesquisa e produção de energia eólica, na qual os britânicos realmente encontram-se à frente. O segundo e terceiro itens referem-se ao mercado bilionário do baixo carbono e aos padrões de sustentabilidade da engenharia que seriam utilizados nas construções que abrigarão aquele evento. Mas é justamente no quarto item que fica evidente a visão colonialista do processo de sustentabilidade: são líderes em avaliação de pegadas de carbono e aconselhamento estratégico da sua remoção. Ou seja, avaliam e aconselham os outros, mas de forma alguma assumem qualquer compromisso de executarem, eles próprios, algo considerado “sustentável”.

Neste aspecto já é passada a hora de mudar-se a postura brasileira quando o assunto é sustentabilidade. Na área agropecuária, embora muito exista a ser realizado o Brasil, e, sobretudo o estado de Mato Grosso, deve trocar sua postura cabisbaixa e andar de maneira sobranceira, com a certeza de que já fez muito mais do que a maioria dos que lhe apontam o dedo. Apenas um aspecto é suficiente para firmar esta tese: tecnologia e trabalho estão proporcionando duas safras de alta produtividade em solos onde, há pouco mais de duas décadas, não se tinha sequer conhecimento de que seriam capazes de produzir qualquer exploração agrícola

A agricultura européia, alicerçada em enormes subsídios, que agora começam a desmoronar pelos altos déficits financeiros que provocam, certamente não tem moral para cobrar nada dos produtores brasileiros. É preciso que isto fique muito bem claro principalmente por ocasião da Rio + 20, onde certamente a comunidade européia, inclusive a britânica, berço de centenas de ONGs, algumas delas patrocinadas por sua majestade, recebem vultosas somas financeiras para macular irresponsavelmente a agropecuária brasileira.

Sobreviver à sangria dos recursos naturais patrocinada pelas potências econômicas das várias épocas foi doloroso, mas ensejou muitas lições ao povo brasileiro. Uma delas talvez tenha sido a imensa capacidade de reinventar-se como país soberano e capaz de dirigir seus próprios desígnios. Embora parte da classe política brasileira ainda conceba colocar-se como vassala de novos reizinhos, certamente esta postura não faz parte da maioria dos brasileiros pensantes.

Talvez seja o caso de ouvir-se a voz incômoda do roqueiro inglês Steve Morrisey (ex-vocalista do The Smiths) que bradou em alto e bom som: “Harry veio aqui roubar o dinheiro de vocês”. Sendo ele conterrâneo do príncipe, deve ser considerado seu protesto. Até mesmo porque a esta prática de levar coisas daqui para além-mar já é chegado o momento de dar-se um basta.

*  O autor é Engº Agrº e produtor rural no Mato Grosso.

COMENTÁRIO DO BLOGUEIRO: a chamada elite rural, que de rural não tem nada, pois a grande maioria ganha dinheiro nas indústrias ou serviços, e alguns até têm haras, recebeu o príncipe Harry, em Campinas, neste último fim de semana, para um jogo de polo, beneficente. Os ricos e "famosos" (da TV e adjacências) pagaram a bagatela de R$ 1.800,00 para estar presente no evento. Tirar foto ao lado do moço estava bem mais salgado...
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